Em Bodocó, no Sertão do Araripe, mora Tarcísio Horas, um adolescente de 14 anos que tem uma história inspiradora: ele quer ser maratonista e já está treinando nas olimpíadas escolares correndo descalço. “Eu saía na rua e chamava a garotada que era para gritar. Eu chamava 'Pompeu, Pompeu, tua mãe morreu. A cabeça do palhaço urubu comeu'”, conta e cantarola o campeão que é neto e filho de palhaços e foi palhaço na infância. “Tarcísio nasceu em circo, debaixo de uma lona de circo”, diz a mãe dele, Vilma Horas.Mas o que era para ser uma herança de sorrisos, virou um trauma. Maltratado pelo pai quando criança, o picadeiro virou tema proibido na casa simples de Bodocó onde ele mora com a mãe e os irmãos. Hoje, no lugar das roupas coloridas, fica o uniforme de atleta, e no espaço da peruca ou da maquiagem carregada, medalhas.Tarcísio virou o orgulho da família. “Sou a mãe do atleta Tarcisio, o grande atleta do momento de Bodocó”, afirma com orgulho a funcionária pública Vilmar Horas. O orgulho dela se espalha pela cidade. “Ele é o primeiro a fazer isso aqui na região”, diz o agricultor Manoel Messias Felizarda Alves. “Como conterrâneo me sinto orgulhoso”.Tarcísio já foi campeão municipal, regional, campeão dos Jogos Escolares de Pernambuco nos 800 e nos mil metros, categoria mirim. “Ele foi vice-campeão brasileiro em Poços de Caldas conseguindo assim a classificação para os Jogos Sul-Americanos no Uruguai”, lembra o técnico Inácio Pereira Hora.Para ele, que treina Tarcísio há dois anos, o adolescente tem uma característica rara para alguém tão novo. “É um atleta que consegue manter o tempo, ele tem resistência, ele tem fôlego, mas não tem velocidade, porém ele tem ritmo de ser um bom maratonista”.Para atingir a meta, o volume de treinos teve que ser ampliado e as distâncias foram aumentando naturalmente: três mil, cinco mil, dez mil, 20 mil metros. Os treinos para a maratona, mais de 42 quilômetros, já começaram. “Meu sonho aqui é correr na São Silvestre um dia”, revela Tarcísio.A prova tradicional de São Paulo tem 15 quilômetros e pode ser um bom começo. Só quem não acredita no feito do menino é seu Manoel Santana da Silva, ambulante da feira de Bodocó. “Ele faz 10 quilômetros em 45 minutos. Mas é pensando em fazer, homem. Não é correndo não é pensando assim no juízo. Não acredito, só se for de carro ou de moto, mas de a pé não”, desconfia.Mas teve gente que já viu. “Eu nunca tinha assistido à corrida dele. Esse ano foi que eu fui assistir e eu te garanto que essa emoção é demais, eu quase que desmaio”, conta dona Vilma. “Eu fico nervosa gritando Tarcísio, vai lá Tarcísio. E chega disparado. Chega na frente. Ele sai no rabo da gata mas só chega na frente”.Para o primo de Tarcísio, o forrozeiro Flávio Leandro, a explicação está na genética. “Tenho certeza que é um gen diferente, é um gen mais ou menos como ali na Etiópia. É um gen característico, muito peculiar, muito nosso”, avalia.Como é peculiar a preferência de Tarcísio, correr com os pés descalços. Para o avô Ramiro, isso prova a força do jovem atleta. “Só gosto que ele corra descalço, é para mostrar raça”. O apoio comove o corredor. “A minha família é tudo na minha vida”, diz Tarcísio.Daqui, seu Ramiro, a família e os conterrâneos vão acompanhar a evolução de Tarcísio, o corredor de Bodocó. “Tarcísio de Bodocó, o menino de pés no chão, aquele que foi criado num circo e que saiu de Bodocó para o mundo”, enuncia o técnico Inácio Pereira Hora.Curioso o primo cantor achar Tarcísio parecido com um etíope, porque ele gosta de correr descalço, que nem uma lenda do atletismo que veio da Etiópia, Abebe Bikila, bicampeão olímpico. A história do atleta começou nas olimpíadas de Roma, em 1960, quando ganhou a primeira medalha de ouro africana na competição.
Fonte:pe360graus
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